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- 29/01/2024
- Pedro Werneck, coordenador da Comissão de Integração ASG da CNseg
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Construindo seguros para a transição climática
O mês de julho de 2023 entrou para a história como o mais quente já registrado. No México, mais de 100 pessoas perderam a vida devido a uma onda de calor que atingiu temperaturas de até 45°C em algumas áreas. Enquanto isso, na Antártida, durante o inverno, ocorreu um evento sem precedentes: o derretimento de gelo marinho de uma área equivalente ao território da Argentina (2,5 milhões de km²). Isso resultou na menor extensão territorial do continente já registrada para essa época do ano desde o início do monitoramento por satélite, há 45 anos.
Esses episódios têm relação direta com o fenômeno El Niño, que aquece as águas do Oceano Pacífico a cada 5 ou 7 anos, mas que tem sido drasticamente intensificado pela atividade humana. Segundo o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), o impacto da influência humana no aquecimento do planeta é “inequívoco e inquestionável”1. Embora reduções drásticas nas emissões de gases de efeito estufa (GEE) possam evitar mudanças climáticas ainda mais agravantes, não há evidências de mecanismos que possam reverter padrões climáticos já estabelecidos. Portanto, será necessário repensar abordagens para considerar um novo panorama de riscos que se apresenta, dado que uma das características críticas dos riscos climáticos é a sua irreversibilidade.
Devido à sua natureza singular, esses riscos possuem características ímpares que requerem uma compreensão profunda para que sejam devidamente incorporados em análises. Isso é especialmente relevante para as seguradoras, que desempenham um papel crucial na adaptação e mitigação dos riscos climáticos, seja por meio de suas atividades de aceitação, precificação e gestão de riscos, seja por meio de sua competência como investidoras.
Em relação aos processos de gestão de riscos, o setor trabalha tradicionalmente com dados históricos para avaliar a exposição e atribuir por meio de um valor (prêmio) sua probabilidade de ocorrência e intensidade. Trata-se de um mecanismo importante para a resiliência financeira, pois incentiva a aceitação de riscos moderados pela população. No entanto, quando se trata de riscos climáticos essa abordagem tradicional não é suficiente para garantir a sustentabilidade do negócio2. A intensidade e frequência de eventos climáticos, cada vez mais, não correspondem a um padrão de ocorrência. Isso representa um desafio substancial para as companhias de seguros, uma vez que não podem mais confiar exclusivamente em dados históricos para uma previsão precisa. Os modelos de avaliação de risco convencionais podem subestimar a verdadeira exposição aos riscos climáticos, uma vez que não levam em consideração projeções futuras de mudanças climáticas e suas interconexões com outros riscos.
Diante desse desafio, a Iniciativa Financeira das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP FI) conduziu em 2021 um estudo inédito – intitulado Insuring the climate transition – que reuniu 22 seguradoras com atuação global, para avaliar de que modo o risco climático impacta os portifólios das companhias de seguros. O objetivo principal do estudo foi conduzir um projeto piloto para que as empresas participassem efetivamente da construção de ferramentas baseadas em metodologias de análises preditivas dos riscos climáticos. Além de acompanharem o desenvolvimento do racional das análises, as seguradoras obtiveram conhecimento sobre possíveis bases de dados de diferentes riscos climáticos físicos, como inundações urbanas, ondas de calor, estresse hídrico, incêndios, entre outros, que podem ser utilizadas para projeções climáticas.
A realidade de riscos e de negócios das seguradoras que participaram do projeto global é significativamente diferente das realidades das seguradoras que atuam na América Latina. Seus portifólios estão majoritariamente concentrados em países desenvolvidos da América do Norte, Europa e Ásia. Considerando isso, em 2022 a CNseg foi procurada pela UNEP FI para que conduzisse em âmbito nacional um projeto piloto com intuito de “tropicalizar” as metodologias e as abordagens do estudo global. No Brasil, o projeto foi batizado de “Construindo Seguros para Transição Climática”. Durante 18 meses um grupo de cerca de 20 seguradoras que atuam no segmento de danos e responsabilidades se debruçaram sobre metodologias qualitativas e quantitativas para avaliação do impacto de risco climáticos físicos.
A primeira ferramenta desenvolvida teve objetivo de avaliar qualitativamente o impacto dos riscos climáticos no território brasileiro. O Mapa de Calor (Heat Map) apresenta uma visão macro da exposição geográfica brasileira à 11 riscos climáticos físicos, considerando dois cenários climáticos (aumento de 2°C e de 4°C) e dois horizontes temporais (2030 e 20503). A ferramenta apresenta a intensidade de cada um dos riscos em níveis estadual e municipal, incluindo um conjunto seleto de cidades definido pelas empresas devido a sua relevância para os negócios. O Mapa de Calor é interativo e apresenta os resultados de acordo com as preferências selecionadas pelo usuário.
Os resultados auxiliam as seguradoras na identificação de áreas geográficas com maior exposição a riscos físicos decorrentes das mudanças climáticas. Isso permite a priorização de estratégias de gestão de riscos e de alocação de recursos de maneira mais eficaz, via correlação dessa exposição às suas linhas de negócios e produtos de seguro. O Mapa de Calor fornece subsídios para tomada de decisões estratégicas informadas pelo mercado, especialmente em áreas onde dados e modelos de risco próprios são menos frequentes.
É fundamental enfatizar que o Mapa de Calor deve ser considerado como ferramenta complementar de um processo abrangente de análise de risco. Para fundamentar decisões de negócios, é recomendável a condução de análises completas que mensurem quantitativamente a exposição dos portfólios a diferentes riscos climáticos, bem como uma avaliação específica dos setores, produtos e serviços suscetíveis a impactos. O Mapa de Calor, portanto, desempenha um papel de apoio valioso na gestão de riscos das seguradoras, mas que não substitui a necessidade de uma avaliação mais aprofundada.
A etapa seguinte à elaboração do Mapa de Calor teve objetivo de elaborar uma ferramenta para avaliação quantitativa do impacto dos riscos climáticos físicos nas carteiras das seguradoras. Trata-se de uma ferramenta de modelagem de risco, especificamente em relação ao aumento do risco de inundações urbanas, para projeção de perdas econômicas futuras relacionadas às mudanças climáticas para as linhas de negócio patrimoniais (residencial, empresarial e condomínio).
A metodologia é baseada em modelos de catástrofes naturais (Nat Cat Models) que são comumente utilizados por algumas instituições para quantificar a probabilidade e a gravidade de potenciais catástrofes naturais. Os Cat Models são modelos matemáticos que utilizam dados históricos de perdas, equacionados com parâmetros fixos científicos e estatísticos, para prever a probabilidade e a magnitude do impacto financeiro de eventos climáticos extremos. Os inputs de dados sobre o portifólio dos usuários são cruciais para as projeções, uma vez que esses dados aproximam a ferramenta de suas realidades de negócio.
A modelagem de riscos fornece informações relevantes para processos de aceitação e precificação de riscos, garantindo que os prêmios cobrados sejam suficientes para cobrir os as expectativas de perdas por sinistros. Essas estimativas de perdas podem ter relevância na avaliação da solvência das seguradoras e na determinação do capital adequado necessário para cobrir os riscos assumidos. Tal particularidade é especialmente importante para que as seguradoras mantenham níveis adequados de capital para proteger os segurados e garantir a estabilidade dos ecossistemas. Além disso, a metodologia pode fornecer informações complementares para decisões relacionadas a aceitação de riscos, incluindo a possibilidade de definição de limites de exposição e a seleção de estratégias de resseguro, garantindo que as seguradoras tomem decisões que estejam alinhadas com seu apetite ao risco e objetivos estratégicos.
Entende-se que a viabilização do projeto via CNseg foi fundamental dado o contexto regulatório atual, que exige das seguradoras a adoção de metodologias e controles específicos para identificar, avaliar, classificar, mensurar e reportar os riscos climáticos as que se encontram expostas, incluindo projeções de longo prazo, que considerem eventos associados a esses riscos. Além disso, os riscos climáticos constituem uma das principais ameaças à estabilidade do sistema financeiro se não endereçados adequadamente. Portanto, a capacitação do setor sobre o tema, fornecendo o melhor entendimento sobre como avaliar seus impactos em operações de seguros é peça-chave da atuação da Confederação para fomentar a agenda de sustentabilidade no setor. Apesar do escopo limitado das ferramentas – especialmente a modelagem de riscos, pois fornece estimativas de perdas financeiras para três ramos sob a hipótese de um risco climático físico (inundação) – o racional das metodologias pode ser utilizado para construção de modelos e estudos personalizados pelas seguradoras, que podem considerar outros riscos físicos e eventualmente estender sua aplicabilidade para outros ramos e segmentos de seguros.
Ambas as ferramentas elaboradas são fundamentais para que o setor de seguros brasileiro esteja familiarizado com melhores práticas internacionais relacionadas a avaliação de riscos climáticos físicos. Essa competência adicional fornecida pelo projeto piloto municia gestores a melhor gerenciar riscos para proteção de pessoas e patrimônio contra os efeitos econômicos negativos causados pelas mudanças climáticas. Seja por meio da criação ou reestruturação de novos produtos ou serviços, seja por meio da adoção de medidas preventivas à desastres climáticos. A realização do projeto “Construindo Seguros para Transição Climática” certamente contribui para a construção de uma economia mais resiliente, capaz de lidar melhor com os efeitos adversos das mudanças climática, além de promover a transparência e a divulgação de informações sobre esses riscos.
Pedro Werneck é coordenador da Comissão de Integração ASG da CNseg, graduado em Relações Internacionais pelo IBMEC, possui certificação da ENS em ESG para o setor de seguros e está obtendo a certificação em Finanças Climáticas pelo CFA Institute
1 The Intergovernmental Panel on Climate Change . (2021). “Climate Change 2021: The Physical Science Basis” acessado em 04/09/2023 e disponível em: https://www.ipcc.ch/report/ar6/wg1/
2 Principles for Sustainable Insurance. (s.d.). “Insuring the climate Transition” acessado em 04/09/2023 e disponível em https://www.unepfi.org/psi/wp-content/uploads/2021/01/PSI-TCFD-final-report.pdf
3 Seguindo a recomendação da TCFD (Força-Tarefa sobre Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima) e o padrão de análises do IPCC, as ferramentas desenvolvidas adotam os horizontes temporais de 2030 e 2050.
4 Principles for Sustainable Insurance. (s.d.). “Insuring the climate Transition” acessado em 04/09/2023 e disponível em https://www.unepfi.org/psi/wp-content/uploads/2021/01/PSI-TCFD-final-report.pdf
5 Principles for Sustainable Insurance. (s.d.). “Insuring the climate Transition” acessado em 04/09/2023 e disponível em https://www.unepfi.org/psi/wp-content/uploads/2021/01/PSI-TCFD-final-report.pdf
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